Tuesday, October 31, 2006

Depois de um longo e tenebroso verão, volto a escrever. Desde ontem, passo a ter internet novamente, dessa vez em definitivo na minha nova casa. Isso mesmo! Já tenho uma casa e sou um dos mais novos moradores de Haifa. Aqui vão alguns dados da cidade:

População: 267.000
Judeus e outros: 241.500 (90,4%)
Árabes: 25.500 (9,6%)
0-17 anos: 58.900 (22,1%)
18-65 anos: 159.900 (59,9%)
+65 anos: 48.200 (18%)
Área municipal de jurisdição: 64,6 km2
Imigrantes desde 1990: 65.700
*Os dados são do site da prefeitura de Haifa

Haifa se localiza no norte de Israel, uma hora a norte de Tel Aviv e uma hora e meia a sul de Beirute, embora poucos tenham se aventurado a esse trajeto ultimamente.Apesar disso, a cidade é famosa por manter boas relações entre seus cidadãos árabes e judeus. Lembra o Rio de Janeiro pelo lindo contraste praia-montanha, embora aqui, a parte mais nobre da cidade esteja localizada na cidade alta e a mais antiga e menos favorecida se localize na cidade baixa.

Voltamos a Israel a exatas duas semanas e encaramos uma maratona de faxina pesada na primeira semana. Nada como arrumar sua própria casinha... Depois disso, algumas compras pra casa feitas, algumas burocracias resolvidas, outras ainda não, stresses com a proprietária e pronto! Estamos instalados. E muito felizes! Agora chega de papo. Vamos as fotos do ap semi-montado.

O quarto


A varanda


A sala


A sala de novo


A cozinha


A sala de jantar


A vista dos fundos, infelizmente

Sunday, October 01, 2006

Aqui vai um artigo do meu pai sobre Yom Kipur (dia do perdão). Foi publicado na última “Quinzena da ARI”. Leiam. É muito bom. Fala sobre o livro de Jonas que é lido na tarde de Yom Kipur. Chatimá Tová.

JONAS

O livro de Jonas surpreende pela simplicidade linear da trama e pela linguagem nem um pouco rebuscada ou poética. Quatro breves capítulos, num dos livros mais curtos do Tanach, contam uma fábula que parece mais apropriada para um livro infantil do que para um compêndio de leis de comportamento.

Jonas é um profeta que não profetiza. Tal como Moisés e Jeremias ele discute com Deus, mas diferente deles ele não aceita a missão que lhe é imposta e foge. Jonas desafia Deus de forma direta e insolente, esperando que Deus se esqueça da ordem que comandou e que lhe parece absurda.

Jonas é breve. Muito breve mesmo. Quando finalmente é coagido a aceitar sua missão ele profere apenas 5 palavras (Jonas 3:4) e pronto, cumpriu sua missão! O leitor fica atônito. Foi apenas para evitar dizer estas 5 palavras que Jonas fugiu?

Jonas tem sucesso imediato. As cinco palavras são suficientes para o povo e a realeza de Nínive acreditar em Deus se arrepender e buscar Seus caminhos. Jeremias gasta rios de tinta elaborando sobre a natureza, a aparência e as conseqüências do mal. Jonas é infinitamente mais eficiente. Ele fala quase nada e tem sucesso absoluto e fulminante.

Mas estranhamente o sucesso não o satisfaz! Ao invés de abrir um champanhe e festejar com os amigos, Jonas se aborrece mortalmente por ter alcançado o objetivo de sua missão e mais uma vez se isola do mundo para curtir sua zanga rabugenta. Deus lança mão de um estratagema para fazer Jonas entender o valor do que acabara de conseguir. A história acaba numa pergunta aberta, sem resposta. Caberá ao leitor providenciar a resposta, sugerindo que esta pode ser muito variada.

Esta trama é apresentada um relato simplório que parece útil apenas para entreter crianças num tedioso dia de chuva. Se você nunca leu ou não se lembra bem do livro de Jonas, vale a pena ler só para verificar como ele é infantil. É curtinho, você vai ler em cinco minutos.

No entanto a fábula de Jonas serve de suporte para algumas mensagens muito importantes. Justamente por conta destas mensagens Jonas foi escolhido para ser lido na tarde de Iom Kipur. Alguns educadores se fixam apenas na fábula, se esquecendo que o importante no judaísmo é procurar as mensagens. Estes educadores infantilizam a nossa tradição e afastam dela as pessoas que, independente da idade, valorizam intelectualmente suas vidas. Vamos então procurar as mensagens de Jonas.

A primeira mensagem é o poder do arrependimento (tshuvá), da volta ao caminho correto. A tshuvá é um conceito ausente nos cinco livros de Moisés (a Torá). Lá a justiça é cega. Olho por olho, dente por dente. A cada mal feito corresponde uma pena de igual valor.

Já em Jonas, Deus permite que as pessoas se arrependam e que o arrependimento sincero sirva para modificar o destino. Em Iom Kipur, a poderosa frase “arrependimento, oração e justiça modificam o destino” está colocada logo após o trecho que descreve o processo do livro da vida, onde lemos que nosso destino está sendo traçado naquele momento a partir de nossas ações do passado. A frase introduz o conceito que o mal do passado pode ser reparado, que o importante é nosso comportamento futuro, que não há lugar no judaísmo para o pessimismo fatalista e que o homem é o único dono do seu destino.

A fábula de Jonas enfatiza esta mensagem. Da mesma forma como os cidadãos de Nínive não são destruídos porque, independente do mal que tenham feito no passado, se arrependem ao ouvir Jonas, nós também podemos nos arrepender sinceramente e evitar o destino cruel.

Parece simples mas não é. O conceito do poder do arrependimento está em contradição clara com o conceito de que a justiça tem que ser cega, que independente das circunstâncias é necessário haver uma pena correspondente ao mal realizado.

O livro de Jonas representa uma importante ruptura com a lei de Moisés. Moisés diz “Teu olho não deve se apiedar, alma por alma, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé.” (Devarim 19:21). O livro de Jonas diz: “Quem sabe se Deus não vai se arrepender? Talvez Ele possa abandonar Sua ira e nós possamos sobreviver. E Deus viu o que os homens de Nínive fizeram, que eles abandonaram o mal. E Deus renunciou à punição que planejara enviar, e Ele não a enviou.” (Jonas 3:9-10).

Esta ruptura, este refinamento da mensagem é central no judaísmo. Estamos longe de abrigar uma inflexível tradição tri-milenar. Já na época dos profetas introduzimos modificações fundamentais nas leis da Torá.

Mas o livro de Jonas não fala apenas do poder do arrependimento (tshuvá). O quarto e último capítulo introduz outro tema importante – a compaixão.

Jonas se aborrece tremendamente com a decisão de Deus de salvar Nínive. Ele era um homem fiel à lei original: errou tem que ser castigado. Ele tem raiva de si mesmo, de ter sido partícipe na trama de salvação dos pecadores. Ele se retira zangado e pede a morte porque não concebe viver num mundo onde se valoriza a sutileza do que se encerra no interior do coração das pessoas.

Deus não responde a Jonas através de argumentação intelectual e sim por uma demonstração concreta de humanidade. Deus faz Jonas apelar para a clemência divina para a obtenção de um simples conforto pessoal. Assim Deus demonstra para Jonas que da mesma forma como ele valoriza uma árvore que lhe dá sombra, tem que valorizar todas as criaturas vivas.

A pergunta final da história, a frase que encerra a moral da fábula, é dirigida não apenas para Jonas, mas para todos os leitores: “será que a exigência da justiça estrita deve ser mais forte do que a compaixão pelos seres vivos?”. Sugiro que cada um procure sua resposta pessoal. Não é um assunto simples.

Igualmente intrigante e escondida no texto é a questão da escolha de Jonas por Deus. Qual o valor que tem uma pessoa que ousa desafiar as ordens divinas e que exige entender a razão por trás dos desígnios divinos?

Existem correntes religiosas que pregam o não questionamento. “Deus mandou” é razão suficiente para tudo. Será que Deus gosta mesmo deste comportamento? Serão estas pessoas efetivamente homens de Deus? O livro de Jonas sugere que não. Dentro de todas as pessoas daquela época, a palavra de Deus veio ao questionador Jonas e não aos donos da certeza.

Me parece que o grande valor de Jonas é sua integridade. Por causa de sua integridade Jonas é escolhido. E por causa de sua integridade Deus se dá ao trabalho de explicar o que está por trás de seus propósitos. Jonas é um questionador, mas um questionador íntegro. Ele não questiona pelo prazer de ouvir sua própria voz. Ele questiona porque acredita. No final é a integridade de Jonas que lhe permite alcançar um estágio maior de compreensão, da qual somos herdeiros.

Arrependimento, compaixão e integridade. Estes são alguns dos valores do livro de Jonas.

Raul Gottlieb